terça-feira, julho 05, 2011

Nintópolis

 Seu Domingues, grande magnata do ramo das nozes, nunca teve dificuldades na vida. Fez uma faculdade de administração, herdou a função do pai, sucessor de gerações de imperadores das nozes. Mulheres? Nunca teve que se preocupar, caíam no seu colo, esperando que fossem a futura Senhora Domingues, pra torrar a grana desse magnata de apenas 25 anos.
O pai, Seu Domingues, agora, após falecido, conhecido como Seu Cássio Domingues, morreu de forma incompreensível, simplesmente, parou de respirar e foi se encontrar mais cedo com outros familiares, história parecida, muitos entes haviam partido de forma parecida. Sem uma idade determinada, sem diagnóstico. Nenhum médico descobriu.
Seu Domingues, não sabia o muito o que fazer, mal tinha se formado na faculdade, com ressalvas e recuperações, diriam alguns até que com subornos e favores (algumas professoras também sonharam ser a prometida); o Seu Cássio foi ter com os seus, o que faria um Magnata das nozes, em plenos 25 anos, numa cidade que vivia de nozes, cidade que desprezava?
Gastou dinheiro montando negócios mirabolantes na cidade, mas não tinha paixão por nenhuma, foi da galeria de arte, até uma boate. Não haviam artistas na cidade, a boate poderia até ter sido bem sucedida, mas apenas ele podia arcar com os preços das caras bebidas que encomendou. A primeira festa, foi a da falência da boate, ele acabou não cobrando entradas, e distribuindo bebidas. A cada fracasso, repassava a escritura para quem se interessasse, deixando as vezes o que tivesse no caixa.
Seus funcionários acabavam sendo relocados nas suas empreitadas, pessoas sem muita instrução, mas trabalhadoras, acabavam virando caixas de mercadinhos, ajudantes no estaleiro que construiu, e por revolta com o fracasso, e a simpatia com o funcionário, transformava-os em donos, não sem antes demiti-los, se pedissem, sem justa causa, pagando indenizações absurdas.
Notou que algo estava errado, quando foi comprar bebida no seu antigo mercadinho, o cartão não foi aceito. Se sentiu constrangido, nunca imaginou tal coisa. O dono, Cicero, um negro, já com seus 70 anos, havia vivido a vida toda na empresa e nas plantações dos Domingues, ajudou a cuidar do Seu Domingues, agora com 35 anos, ralhando com ele as vezes, foi o primeiro funcionário a se aventurar nas empreitadas do Chefe, passou por vários empreendimentos, pela Boate Domingues, pelo Porto Domingues, pela Tecelagem Domingues, até parar na Mercearia Domingues, onde pediu com carinho, para tomar conta. E recebeu a Escritura, com lágrimas nos olhos. Nunca mudou o nome nesses 7 anos de funcionamento. Notou a situação, Seu Domingues mesmo, o havia ensinado a usar a máquina de cartões. Ofereceu a bebida ao antigo chefe, como um carinho, um presente. Presente recusado, veementemente, com a argumentação, que de presentes se vai a falência. Recebeu um grande abraço do velho amigo, que comentou algo sobre a dieta.
Seu Domingues, desolado, foi no banco, Domingues claro, conversar com seu gerente, antigo contador da família, perguntou o que havia acontecido com a conta. Descobriu que a meses havia atingido o vermelho, e que não recebia mais pagamentos. Mas como era o Seu Domingues, o gerente, conhecido como Celsinho, abriu concessões, mandou cartas, disponibilizou limites astronômicos. Porém, o banco havia sido comprado por uma grande corporação, e ele não pôde mais controlar a conta VIP do Seu Domingues. Celsinho se ofereceu para retomar o velho cargo, e ajudar Seu Domingues a encontrar as falhas nos livros caixas, e o motivo dos não recebimentos, ouviu uma risada, recebeu um abraço. E viu Seu Domingues, sair pela porta, assoviando alguma canção alegre.
Seu Domingues, resolveu visitar as plantações, descobriu que havia empregado toda sua empresa em outros estabelecimentos, havia feito a cidade surgir do pó, e levou sua empresa ao pó. Riu, pois nunca amou tanto aquela cidade, cidade cheia de grandes amigos. Colheu uma noz, com dificuldade, tentando lembrar de como o avô ensinou uma vez, só que a lembrança, e o descaço, atrapalharam, ele odiava aquela plantação, plantação que ele negligenciou, e que por anos o sustentou. Descascou, toscamente, com uma ferramenta abandonada. E comeu. Eram boas, não lembrava do gosto, ao lembrar do gosto, lembrou de uma ida ao hospital, na infância. Mesmo dia que o avô o ensinou a descascar. Voltou a sentir a falta de ar da infância, se sentou, recostou na árvore, tentou gritar, chorou, e começou a rir. Os magnatas eram alérgicos a nozes, quem diria?
Cicero o encontrou,sem vida com um sorriso no rosto, e o enterrou ao pé da mesma árvore.

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