domingo, outubro 13, 2013

O passado não vai sumir com a tecla DEL

Tenho em minhas mãos o poder de enterrar o passado. Pelo menos, é isso o que gosto de pensar. E se não for verdade, sem problemas; ilusões e paliativos em períodos de crise são ótimas rotas de fuga. E, só por hoje, isso me basta.
Continuando.
A apenas um clique, um simples movimento do dedo indicador em direção à tecla DEL e lá se vai quase três anos de história. Registros e mais registros que não precisam ser queimados, rasgados ou quebrados. Sem afetação, sem estrondo, só um clique e adeus. Minimalista.
Não há caixas de papelão para arrastar, não há objetos a descartar, não há roupas para atirar pela janela do quarto andar. Os vizinhos não serão incomodados com o fim. Porque é só isso, o fim.
O porteiro do prédio ficará sem entender por que ela sumiu assim, tão de repente. “Ela veio aqui no outro fim de semana”, dirá intrigado pra dona Inês, a zeladora do prédio e das vidas alheias.
Tudo com muita discrição, sem portas arrombadas ou gritos no corredor. Sutil, delicado. Apenas uma overdose de exclamações no bate-papo online, um CAPS LOCK involuntário, dedos nervosos que erram palavras e esquecem acentos. Mas até isso eu posso apagar. “Não! por que você fez isso?”, ela gritará – muda – num torpedo ligeiro, fast food, inferior a 140 caracteres.
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Deixo ela e quase 45 mil mensagens pra trás. A capacidade de armazenamento de símbolos, palavras e frases no universo de Mark Zuckerberg parece infinita, mas nem por isso permanente.
Assinamos um termo de compromisso e, está lá, eu tenho direito, basta um clique e tudo desaparece, é só apagar.
A foto do perfil dela não existe mais (fiz questão de bloquear) e agora só resta uma sombra incômoda, um tanto azulada, sem personalidade. Sem nome e sobrenome, sequer apelido, transformou-se após um clique em uma anônima “usuária do facebook”.
E assim, em alguns segundos, graças à tecnologia avançada do século XXI, um vasto arquivo de emoções, gestos, diálogos, expressões, abraços, beijos, risadas, lágrimas, conflitos, viagens e paisagens desaparecem. E não voltam mais. É só passear as mãos pelo teclado e acionar DELETE.
Mas antes há ainda aquela pergunta cretina, sim, aquela mesma que oferece a oportunidade de voltar atrás, postergar a decisão, titubear e tremer na base. Está certo disso? Olhe para o retrovisor, camarada, “tem certeza de que deseja mover este arquivo para a lixeira?” 
Sim, tenho.
Só que a lixeira ainda é um palco pra salvação, a chance de ressuscitar uma memória, de salvar do completo esquecimento um fragmento de amor, uma fatia de felicidade.
A primeira foto, o último poema, a música que ela cantou e gravou só pra você. Dê uma passeada pela lixeira e veja se ainda vale a pena restaurar alguns megabytes de intimidade, esperança. Tem certeza? Pense bem, rapaz, é sua última chance, ainda há atalhos para evitar o fim. Ctrl X mais Ctrl V e tudo está restaurado, posto devidamente de volta em seu lugar.
Com as mãos na lixeira, a pergunta definitiva: ”tem certeza de que deseja excluir este arquivo permanentemente?”
Não, claro que não.
E quem tem? Deveriam existir outras opções como “tem certeza de que necessita?” ou “tem certeza de que será mais fácil excluir?”.
Porque, claro, em relação ao desejo não há certeza nenhuma, mas não tenho dúvidas sobre o quanto é necessário e mais fácil excluir permanentemente este arquivo do que mantê-lo perdido por aí em alguma pasta ou subpasta subterrânea do computador – pronta para ser visitada sem querer.
Vamos lá, sem dramas. Nos últimos meses nem havia tantos arquivos assim, tantas fotos assim. No começo, imagens que não cabiam em um pendrive de 50 gigabytes. No fim, arquivos tão leves, rarefeitos, que poderiam ser anexados em um único envio de e-mail. Menos fotos, menos vídeos, menos textos. Em 2011, quatrocentas e setenta fotos. Em 2012, duzentas e vinte fotos. Em 2013, 86 fotos.
Sejamos honestos.
É bem verdade, fotos dão uma perigosa sensação de permanência. De repente, mesmo em meio ao caos, não entendemos por que aquela felicidade estampada em 2011, numa foto no Rio de Janeiro, se desmanchou e não pode ser reeditada agora, em 2013.
anigif_enhanced-buzz-6045-1381048014-4Velhos tempos que não voltam mais…
De repente, passamos a acreditar – na maior parte das vezes ingenuamente – que aquela partícula perdida no tempo não é exceção, mas regra; não é passado, mas presente. Distorcemos as lembranças, selecionando as melhores e apagando as ruins – atribuindo a elas significados, muitas vezes, superestimados e desproporcionais à realidade – muito mais dura e morna. Quem nunca se deparou com a contradição de resgatar uma foto que estampa alegria, registrada ironicamente em um dia de profunda tristeza? Daí, a grande crise de enfrentar o passado não só com memórias difusas, mas também com imagens.
Porém, nada disso consegue obscurecer o fato irremediável de que o passado – para além de nossa vontade – está presente, está ao nosso redor.
No restaurante oriental da esquina, está uma lembrança; num verso do Tom Jobim ressurge uma esperança; num ato político, onde bandeiras vermelhas tremulam, está o nosso sonho e projeto de vida.
Não é possível falsificar a história com a tecla DEL, nem mesmo reduzir a memória de um relacionamento a um punhado de experiências comprimidas em arquivos .doc.jpeg.mp3 e .mov.
É para além dos muros das redes sociais e das barricadas de um notebook que a vida acontece.

Fonte: http://papodehomem.com.br/o-passado-nao-vai-sumir-com-a-tecla-del/

terça-feira, outubro 01, 2013

Carta de Aurora Snow a seu filho ainda não nascido

Meu filho,
Enquanto escrevo, você ainda não chegou ao mundo e não deve nascer até a metade de dezembro. No momento em que ler esta carta, terá idade o suficiente para usar a internet e será velho o bastante para conhecer o nome “Aurora Snow”. Agora, eu já terei temido esse dia por muitos anos e a minha esperança é que você encontre este artigo antes de acidentalmente esbarrar em qualquer foto ou vídeo que mostre sua mãe de um jeito que ela nunca desejou que você visse. Deixe-me explicar.
Sua mãe cresceu muito, muito pobre. No começo da década de 2000, eu frequentava a Universidade da Califórnia, em Irvine, e embora eu fosse uma aluna de honra, com pontuações altas nos testes e tenha gasto semanas após semanas preenchendo dados em formulários, continuava mergulhando em empréstimos. Frustrada e sentindo minhas chances de ter uma educação superior escapando, respondi a um anúncio no jornal Orange County Register.
A impressão grande, em negrito, fisgou meus olhos: Modelos para Nudez Feminina – ganhe $2.000 por dia.
Eu não tinha vergonha e precisava do dinheiro. Eu tinha certeza que nunca ia querer ter uma família. Foi em uma idade anterior a todos e tudo estarem online e eu realmente achava que podia esconder isso da minha mãe, pai e irmãos. O que eu tinha a perder? Planejei entrar nessa por um ano, pagar minhas dívidas estudantis e cair fora sem olhar pra trás. Não aconteceu bem desse jeito.
A atenção me fez sentir bem. O dinheiro era incrível. Mas mesmo com a atenção, nunca me senti bonita. Eu achava que a qualquer momento eles perceberiam que cometeram um erro e me pediriam para ir pra casa e trariam alguma garota bonita para o set. Eles nunca fizeram isso. E aquele trabalho de modelo logo levou alguém a me perguntar se eu faria sexo na frente da câmera por dinheiro. Ainda mais dinheiro. Eu disse sim e aquela escolha me levou ao agitado e colorido mundo dos filmes adultos.
Por razões além da minha compreensão, eles continuaram me pedindo para fazer filmes. Logo eu estava em capas, pôsteres e até mesmo alguns programas de televisão mainstream. Sua bisavó foi a primeira a descobrir a profissão secreta da sua mãe (ela me viu em uma fita VHS na casa de um amigo dela) e rapidamente informou sua avó e tios. Apesar de terem ficado desapontados com minhas escolhas, eles nunca deixaram de me amar.
Sua avó achou que eu deveria fazer algo com a minha mente, não com meu corpo. Ela se preocupou bastante comigo e sempre teve esperança de que eu encontrasse um jeito de sair. Acho que eu nunca falei sobre o assunto diretamente com seus tios, mas isso sempre foi o elefante na sala. Seu avô estava vivendo em um outro estado e descobriu o que eu estava fazendo quando me viu no programa de TV do Howard Stern. Lembrando, eu era bastante agradecida por ter sido uma das poucas garotas no programa do Stern a manter as roupas no corpo. Sempre mantive um senso de modéstia quando não estava filmando.
Neste ponto da sua vida, espero que eu tenha falado sobre a importância da honestidade, então, serei honesta com você. Eu fiz tudo o que é imaginável na minha carreira adulta e, se você procurar o suficiente, vai encontrar coisas que deve achar bastante terríveis. Posso dizer honestamente que eu encarei fazer filmes adultos como um trabalho e, como em qualquer trabalho que já tive, achei importante fazer o meu melhor. Algumas vezes, fazer meu trabalho bem, significava fazer coisas bastante grosseiras. Espero que você nunca veja isso.
Uma coisa realmente transformadora aconteceu em 20 de fevereiro de 2009. Seu tio Keith sofreu um acidente de moto terrível, quebrou o pescoço e seus dois filhos vieram aos meus cuidados. Eu não tinha a menor ideia do que fazer com crianças, mas fui forçada a aprender quando tomava conta dos seus primos por dois anos, enquanto Keith se recuperava. Durante esse tempo, alguma coisa mudou. Eu sentia que algo poderoso estava acontecendo dentro de mim, quando um dos meus sobrinhos colocava seus braços ao meu redor, confiando a mim sua vida e me dando seu amor incondicional. De repente eu percebi: “merda, eu quero minha própria família.”
Nunca acreditei no amor e morria de medo de qualquer coisa ou qualquer um que pudesse me prender. Eu era um espírito livre que podia ir e vir a qualquer momento, mas esse sentimento desapareceu quando percebi o que estava perdendo.
Minhas prioridades mudaram. Eu não era mais a garota que queria fazer qualquer coisa, ao invés disso, me tornei uma mulher com um objetivo. Eu queria uma família, mas primeiro tinha que encontrar alguém com quem pudesse criar essa família. Não era uma tarefa fácil. Um amigo querido me apresentou a um cara do campo. Ele era caloroso, charmoso e muito ligado à família.
Mesmo que eu quisesse bastante, é difícil mudar depois de dedicar uma década da sua vida a uma carreira, não importa qual seja essa carreira. Seu pai reconheceu o ciclo no qual eu estava presa e disse: “Só aperte o botão de ejetar.” Era um conselho que eu finalmente estava pronta para ouvir. Pela primeira vez eu tinha tanto a coragem quanto a motivação para deixar o emprego.
Filho, eu espero que esse artigo ajude-o a compreender e impeça-o de clicar nos links dos meus vídeos de sexo. As escolhas que nós fazemos podem mudar nosso caminho para sempre de um jeito que talvez não compreendamos no momento. Eu fiz escolhas que me levaram a um caminho que muitos desaprovam. Apesar do que pensava na época, estas são escolhas que eu agora estou explicando ao meu próprio filho. Tudo se resume a escolhas. Se eu soubesse que um dia mudaria de ideia e desejaria ter minha própria família, teria feito escolhas completamente diferentes. Eu não posso dizer que elas seriam melhores, porque cada escolha que fiz me trouxe a este ponto e eu não voltaria atrás. Quando você tem 18 anos, é fácil ver o futuro e saber exatamente o que você quer e não quer, mas apenas dez anos depois, essa clareza toda desaparece.
Então, lembre-se quando você estiver fazendo grandes escolhas na vida, pense longe no futuro e pergunte a si mesmo: “Posso viver com isso?” Minha resposta a essa pergunta é esta carta, que eu espero que fale por si própria.
Com amor,
Mamãe